[ho chi minh, sul do vietname]
lembro-me de olhar a primeira noite do táxi, avenidas largas, a tensão a aumentar na região cervical, luz fraca a iluminar o caminho da grande cidade asiática. foi há cerca de doze anos, e um amigo de um amigo, que aí vivia, tinha marcado o hotel onde eu ia ficar, chamava-se 69, situado numa rua escura, cabos de electricidade presos ao alto inclinavam-se sobre quem passava, uma corrente robusta impedia a entrada no hotel e, cá de fora, pela porta de vidro, a imagem inesperada de um homem a dormir no sofá.
era a primeira vez que viajava sozinha na ásia. com 14 anos mudei-me para macau e durante a minha adolescência viajei muito com os meus pais, bons hotéis, daqueles que nos vão buscar ao aeroporto com uma placa onde lemos o nosso apelido, na maior parte das vezes o itinerário organizado por uma agência de viagens, e tudo a correr como devia, ou quase tudo.
o homem na recepção do 69, já acordado, mostrou-me o quarto, encostou a porta que não fechava, e eu deitei-me na cama de casal, acendi um cigarro, liguei ao meu pai a dizer que tinha chegado bem. o que é que eu estou aqui a fazer, lembro-me de pensar ao desligar o telefone, e chorei. no quarto, só o ruído de uma luz branca, intermitente.
ho chi minh tinha na altura cerca de sete milhões de habitantes, longas avenidas despejavam o trânsito em cruzamentos desordenados, alguns sem sinalização, o que me obrigava a andar sem pensar ou parar, num exercício de improviso. eu passava o dia de um lado para o outro, fiz o circuito turístico, fui a cholon, onde marguerite duras juntou os amantes, apanhei o autocarro até à costa, e no regresso à cidade, o amigo do meu amigo levou-me a jantar, disse-me que se tinha enganado, que afinal a mãe ficara no hotel da frente, o indochine, que o 69 era sobretudo alugado à hora para o que quer que fosse, acho que foi essa a expressão que utilizou, o que naquela altura, há doze anos, serviu para acentuar e dificuldade que eu estava a ter em relacionar-me de forma livre no espaço com a solidão.
eu queria provar a minha independência, abandonar o excessivo sentido de responsabilidade que herdei dos meus pais, mas sentia-me aterrorizada. depois de ho chi minh, seguiram-se outras viagens, que comecei a partilhar com família e amigos através de mensagens de telemóvel. na altura, a internet não tinha o alcance actual e as sms que enviava custavam uma quantia considerável do meu magro salário. no dia 14 de março de 2009, faz hoje precisamente dez anos, resgatei algumas dessas mensagens e criei este blogue, que entretanto se transformou num diário (de viagem). gostava de recuperar algumas das mensagens desses primeiros tempos ou de ter sido mais assídua na escrita ao longo desta década, mas isso também pode querer dizer que por momentos consegui deixar de assumir responsabilidades.
Posted on March 14, 2019
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