já não há bilhetes para zhongwei no comboio das sete e cinquenta e quatro da manhã, ouço a funcionária da estação dizer a um homem que está à minha frente, agora só daqui a três horas, completa a mulher, ainda ao microfone, som distorcido da coluna a atravessar o salão amplo e frio, e eu saio dali, apanho um táxi, volto a cruzar a cidade, avenidas enormes que também avançam no espaço como se não quisessem cessar de crescer, o jardim, o (lago) beitahu, mais florestas urbanas, é uma vida calma, dizia ontem zhang man hua, que trocou lanzhou, capital da província de gansu, por xangai, e depois xangai por yinchuan, lanzhou é suja e em xangai andas sempre a correr, resumiu assim três vidas, imitou ainda o stress xangainês com passos curtos, apressados, e acabámos as duas a rir, porque nada naquela figura magra, tranquila, austera, transmite energia, só exaustão, silêncio, tristeza, talvez por ter sido depositada ainda pequena pelos pais, trabalhadores fabris, em casa dos avós, eles viviam num apartamento ali perto mas acho que queriam estar sozinhos, contou-me numa destas manhãs – estranhamente geladas – de primavera, chá de frutas à mesa, mãos dadas, são trinta e oito yuan, insiste o taxista já na estação rodoviária de yinchuan, pago e entro no edifício, imponência na fachada de vidro, porque há sempre grandeza no acto de viajar, e em quem chega ou quem parte, existe um balcão para militares, outro que diz ‘the peasant laborer returns to one’s village the ticket window’, um bilhete para o próximo autocarro para zhongwei, peço finalmente, parte às oito e quarenta da manhã, custa cinquenta e três yuan, respondem-me, são duas horas e meia de viagem, pequenas aldeias, casas que se repetem na forma e na cor, no topo da montanha, um templo, mensagens cravadas na encosta: 忠诚消防服务人民 (lealdade no combate ao fogo para servir o povo), e também uma mesquita branca, cúpula dourada, porque em ningxia reside uma expressiva parte da comunidade hui, chineses muçulmanos, um dia acordei e tudo o que estava escrito em árabe, e era muito, tinha desaparecido, comentou david (nome fictício), muçulmano a viver há cinco anos na china e que conheci num jantar em yinchuan, ele que olha para este país como casa, embora reconheça que há aqui uma espécie de tentativa de sinização da religião, erradicação, até, de valores associados ao islão, são ‘três religiões em uma’, leio entretanto às portas do incrível templo gao, em zhongwei, vinte e nove metros, construção da dinastia ming, que se renovou depois de um terremoto, em 1739, e de um incêndio, em 1942, que serve budistas, taoistas, confucionistas, e que hoje serve também turistas, sábado, dia em que os homens se atiram ao xadrez e às cartas às portas do templo, eu sento-me ao lado de uma tocadora de erhu, pego no meu telemóvel para escrever este texto, na minha direcção vem uma criança, vestido princesa, a ensaiar os primeiros saltos num velho skate.
a caminho de zhongwei, região autónoma hui de ningxia, china
Posted in: pela china, por ningxia
Posted on May 11, 2019
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