um dia destes ao almoço. achas que a nossa vida vai voltar a ser o que era, pergunto ao carlos. isto é, antes da pandemia, de macau virar este estranho lugar, da china fechar as portas. alguma vez vamos voltar a apanhar o comboio em zhuhai e passar um mês em viagem? subir a wudang? revisitar a cidade-mosteiro proibida de larung gar? o quarto escondido do dalai lama? as margens do rio de hotan onde homens e miúdos andam à cata de jade? (foi em xinjiang, região amada, duramente policiada). acho que não, responde-me categoricamente. eu regresso por momentos à cavala e à salada, à água. mas volto à vaca fria. ainda bem que aproveitámos estes anos, digo, numa tentativa disparatada de simplificar a minha existência. disparatada porque é só imaginar o que seria limitar o nosso acesso a um espaço essencial, ou viver com falta de ar, sem um braço, uma perna, olfacto, visão, sei lá. nunca uma fronteira me pareceu tão difícil de transpor.
e assim nasceu a carmo, há dois meses, deste lado da fronteira, nesta nova cidade. claro que a nossa vida não vai voltar a ser o que era. parabéns, pequena.

Posted on October 9, 2022
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